Resumo do debate público “A apanha do percebe em Portugal – Unindo esforços para a sua gestão”

O debate público entre mariscadores, cientistas e gestores sobre a apanha do percebe em Portugal contou com a participação de mais de cem pessoas, de natureza profissional diversificada, sendo aparente que a maioria dos participantes era apanhador profissional de percebe em Portugal. Este debate teve duração de duas horas e foi moderado por Teresa Cruz (coordenadora do projeto PERCEBES, investigadora do CIEMAR e do CO/MARE). Foram convidadas várias entidades e individualidades para participarem de forma ativa no debate. Esta participação ativa implicava uma intervenção oral com um máximo de 5 minutos sobre um dos seguintes temas: estado do recurso; prós e contras da gestão atual da exploração do percebe (apanha comercial e/ou lúdica); legislação e alterações à legislação (em curso ou planeadas); sugestão de medidas para melhorar a gestão da exploração deste recurso; cogestão - caminho possível?

Responderam de forma positiva e participaram de forma ativa no debate os seguintes representantes/individualidades: de associações de mariscadores (António Bessone, da Associação de Mariscadores das Berlengas e da Associação Nacional de Mariscadores de Mergulho em Apneia (ANMMA), e Paulo Barata, da Associação de Marisqueiros de Vila do Bispo (AMVB)); Teresa Taborda, em representação da Direção-Geral dos Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos (DGRM); Maria de Jesus Fernandes, diretora do Departamento de Conservação da Natureza e das Florestas de Lisboa e Vale do Tejo, do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF); Miguel Gaspar, do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA); Filipa Faria, vereadora da Câmara Municipal de Sines e com experiência associativa na Associação dos Pescadores e Armadores da Pesca Artesanal e do Cerco da Costa Alentejana e Vicentina; e Sérgio Leandro, do Instituto Politécnico de Leiria (IPL).

Foram debatidos dois caminhos possíveis para a gestão da apanha do percebe em Portugal: a manutenção do sistema atual (gestão exercida pelo Estado), tendo sido descritos vários problemas e algumas sugestões de alteração; e a implementação da cogestão (gestão partilhada ente o Estado e associações de mariscadores, em que pode existir partilha na tomada de decisão sobre vários instrumentos da gestão (ex.: número de licenças, estabelecimento do período de defeso), incluindo na fiscalização da atividade e na valorização e comercialização do recurso).


Os problemas mais importantes identificados pelos mariscadores são os seguintes:

1- A insuficiente fiscalização e a fraca penalização das transgressões. Sobre este problema, foi referido que o Estado não tem meios adequados à fiscalização, nomeadamente quando comparado com a vizinha Espanha. Nesse sentido, foi feito um apelo a um maior investimento no mar (autoridade marítima e associações de pescadores) e a uma simbiose entre instituições do Estado (DGRM, ICNF, autoridade marítima, ASAE, Ministério das Finanças e universidades) e associações de mariscadores. Foi também referido que as transgressões deviam ser punidas de forma mais severa e que o esforço de fiscalização devia contar com a participação dos mariscadores.

2- A apanha excessiva e desorganizada. A apanha excessiva, associada à falta de fiscalização, tem implicações importantes na desvalorização económica do percebe, por existirem períodos (ex.: muitos dias seguidos de mar calmo) com excessiva apanha e oferta, e consequente descida do preço e da qualidade do percebe.

3- Discordância com o período de defeso em vigor no PNSACV (15 de setembro a 15 de dezembro), considerado demasiado longo. Os mariscadores da AMVB contestam esta regra por impedir a apanha deste recurso durante um período demasiado longo. A apanha do percebe é muito importante no seu rendimento familiar (dados dos referidos inquéritos) e os mariscadores lamentam a falta de receitas durante três meses, que se pode prolongar por um período de igual duração, pois muitos restaurantes estão encerrados no inverno, e neste período o estado do mar é frequentemente desfavorável para o exercício desta atividade pesqueira. Referem que já tiveram algumas reuniões e que pretendem juntar os mariscadores e outras entidades para elaborarem uma proposta a entregar às autoridades, com vista a reduzir este período de defeso.

4- Excesso de pressão de apanha na costa de Sines. Os apanhadores de percebe de Sines referiram a pequena extensão de território com percebes que tem a costa a norte de Sines, e o facto de que, nesta costa, a apanha de percebe pode ser realizada por apanhadores licenciados nas capitanias de Setúbal e Lagos. Apesar de esta costa estar sujeita às regras da apanha comercial de percebes em vigor no PNSACV, a legislação nacional é aplicada na atribuição das respetivas licenças. Os apanhadores de Sines queixaram-se de que é difícil apanharem os montantes mínimos exigidos para efeitos do licenciamento, e denunciaram a venda de percebes em restaurantes, resultante de apanha ilegal, e sugeriram que houvesse uma maior intervenção da ASAE no controlo da comercialização deste recurso. Sobre o licenciamento da apanha comercial de percebe, foi também sugerido que fosse feito um estudo sobre a distribuição das licenças em Portugal e que a legislação em vigor fosse revista, pois, por exemplo, no norte de Portugal (Espinho-Caminha), o percebe é abundante, e os licenciados do sul não podem apanhar nessa região e esta região está a ser explorada pelos espanhóis.

5- A falta de associativismo por parte dos apanhadores comerciais de percebe. Vários apanhadores referiram a falta de união entre eles e a dificuldade do funcionamento das respetivas associações. Na origem deste problema, foi referido o individualismo dos apanhadores e as transgressões que são realizadas pelos mesmos.

6- O caminho da cogestão. Vários apanhadores referiram que o caminho da cogestão é essencial para a resolução dos problemas identificados e que devia existir uma maior união entre os apanhadores, relativamente a este caminho.


Por parte das entidades/individualidades com responsabilidade na gestão da apanha do percebe em Portugal, foram destacados os seguintes aspetos.

1- A representante da DGRM mostrou disponibilidade para receber propostas, resultantes do projeto apresentado pela UÉ/CO/MARE ou da experiência dos mariscadores, de alteração da gestão da apanha do percebe em Portugal, bem como para realizar reuniões para discutir este assunto, em conjunto com o ICNF e outras entidades, nomeadamente com os representantes das associações de pescadores.

2- A representante do INCF referiu a sua experiência com a gestão do percebe na RNB. Considerou que esta atividade coloca problemas complicados, e que a sua resolução passa apenas pelo caminho da cogestão, no qual são exigidos uma maior participação e envolvimento dos mariscadores. Acentuou que este é o único caminho, que não é novo, que já tem sido discutido com as entidades com responsabilidade na gestão desta atividade, e que há exemplos da sua implementação com sucesso (Galiza), mas que a iniciativa tem que partir dos mariscadores, tem que ser uma opção dos mariscadores, e que a cogestão tem direitos, mas também tem deveres.

3- O caminho da cogestão foi destacado como o mais adequado para a gestão da apanha do percebe por outros intervenientes na discussão, tendo sido destacado o papel fundamental das associações neste processo, devido à necessidade de interlocutores dessas associações no processo de gestão partilhada, bem como na realização de planos de gestão e no envolvimento na fiscalização. Foi também realçado que nem sempre há unanimidade no seio das associações acerca destes assuntos, e que a sua discussão nas associações é importante, mas que uma associação forte e bem organizada é uma peça- chave na resolução dos problemas da atividade de pesca e da sua sustentabilidade. Também foi referido que existem instrumentos de financiamento que poderão ser eventualmente utilizados em projetos de cogestão.

4- Foi considerado que o primeiro passo para a cogestão deveria partir das associações, mas também foi referido que as entidades com responsabilidade na atual gestão da apanha de percebe deviam ter um papel ativo e importante na promoção desta opção alternativa de gestão. Foi também referido que a cogestão é onerosa e envolve uma maior responsabilização por parte das associações, e que estas, num sistema de cogestão, terão que investir, nomeadamente na fiscalização e no acompanhamento técnico.


5- A valorização económica do percebe está a ser alvo de estudos e ações na RNB e em conjunto com a AMVB, por parte do IPL e do IPMA, respetivamente. Estes estudos e ações são referentes a aspetos relacionados com a certificação do produto (ex.: denominação de origem controlada), e com uma maior responsabilidade das associações ao nível da comercialização do produto, através da criação de uma imagem de marca e da rotulagem e embalamento do percebe.

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